P L E N I T U D E § § § Rio da Vida

sexta-feira, agosto 31, 2007

feelll_maroki






a vida é a (uma grande) espera

quando não é um
sofrimento


ou uma enorme alegria

sol

segunda-feira, agosto 27, 2007

QUE IMPORTA?

Quem quer ouvir pintar em inglês do Mali
Ou imitar o período francês do Dali
Quem quer fazer cinema no leste aqui
Quem quer cantar comigo em japonês
Retrato de Vénus concha vazia
Vi vil pop arte vinyl macia
Só gosto do que é importado
Prefiro o teu corpo enlatado
Não te importes com a floresta
O fado é tudo o que me resta
Rui Reininho in Líricas Come on & Anas

terça-feira, agosto 21, 2007

por Eugéneo de Andrade... em Afluentes do Silêncio

Se fosses luz serias a mais bela
De quantas há no mundo: - a luz do dia!
(...)
Se fosses água - música da tera,
Serias água pura e sempre calma!
- Mas de tudo quanto possas ser na vida
Só quero, meu amor, que sejas alma!
António Botto

PARA A MINHA ALMA EU QUERIA UMA TORRE COMO ESTA,
ASSIM ALTA,
ASSIM DE NÉVOA ACOMPANHANDO O RIO.

sexta-feira, agosto 10, 2007

SIMPLESMENTE HERBERTO HELDER

Se houvesse degraus na terra...
Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,

eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.
Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,

levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.
Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.

Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã.

Fonte - I
Ela é a fonte. Eu posso saber que éa grande fonte

em que todos pensaram. Quando no campo
se procurava o trevo, ou em silênciose esperava a noite,
ou se ouvia algures na paz da terra
o urdir do tempo -
cada um pensava na fonte. Era um manar
secreto e pacífico.
Uma coisa milagrosa que acontecia
ocultamente.
Ninguém falava dela, porque

era imensa. Mas todos a sabiam
como a teta. Como o odre.
Algo sorria dentro de nós.
Minhas irmãs faziam-se mulheres

suavemente. Meu pai lia.
Sorria dentro de mim uma aceitação
do trevo, uma descoberta muito casta.
Era a fonte.
Eu amava-a dolorosa e tranquilamente.

A lua formava-se
com uma ponta subtil de ferocidade,
e a maçã tomava um princípio
de esplendor.
Hoje o sexo desenhou-se. O pensamento

perdeu-se e renasceu.
Hoje sei permanentemente que ela
é a fonte.

O AMOR EM VISITA
Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra

e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.
Cantar? Longamente cantar,

Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas,
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes
ele - imagem inacessível e casta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderá para mim

sobre um lençol mordido por flores com água.
Ah! em cada mulher existe uma morte silenciosa;
e enquanto o dorso imagina, sob nossos dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
- Ó cabra no vento e na urze, mulher nua sob
as mãos, mulher de ventre escarlate onde o sal põe o espírito,
mulher de pés no branco, transportadora
da morte e da alegria.
Dai-me uma mulher tão nova como a resina

e o cheiro da terra.
Com uma flecha em meu flanco, cantarei.
E enquanto manar de minha carne uma videira de sangue,

cantarei seu sorriso ardendo,
suas mamas de pura substância,
a curva quente dos cabelos.Beberei sua boca,
para depois cantar a morte
e a alegria da morte.
Dai-me um torso dobrado pela música, um ligeiro

pescoço de planta,
onde uma chama comece a florir o espírito.
À tona da sua face se moverão as águas,
dentro da sua face estará a pedra da noite.
- Então cantarei a exaltante alegria da morte.
Nem sempre me incendeiam o acordar das ervas e a estrela

despenhada de sua órbita viva.
- Porém, tu sempre me incendeias.

Esqueço o arbusto impregnado de silêncio diurno, a noite
imagem pungente
com seu deus esmagado e ascendido.
- Porém, não te esquecem meus corações de sal e de brandura.
Entontece meu hálito com a sombra,

tua boca penetra a minha voz como a espada
se perde no arco.
E quando gela a mãe em sua distância amarga, a lua
estiola, a paisagem regressa ao ventre, o tempo
se desfibra - invento para ti a música, a loucura
e o mar.
Toco o peso da tua vida: a carne que fulge, o sorriso,

a inspiração.
E eu sei que cercaste os pensamentos com mesa e harpa.

Vou para ti com a beleza oculta,
o corpo iluminado pelas luzes longas.
Digo: eu sou a beleza, seu rosto e seu durar. Teus olhos
transfiguram-se, tuas mãos descobrem
a sombra da minha face. Agarro tua cabeça
áspera e luminosa, e digo: ouves, meu amor?, eu sou
aquilo que se espera para as coisas, para o tempo
-eu sou a beleza.
Inteira, tua vida o deseja. Para mim se erguem
teus olhos de longe. Tu própria me duras em minha vela
da beleza.
Então sento-me à tua mesa. Porque é de tique me vem o fogo.

Não há gesto ou verdade onde não dormissem
tua noite e loucura,
não há vindima ou água
em que não estivesses pousando o silêncio criador.
Digo: olha, é o mar e a ilha dos mitos
originais.
Tu dás-me a tua mesa, descerras na vastidão da terra
a carne transcendente. E em ti
principiam o mar e o mundo.
Minha memória perde em sua espuma

o sinal e a vinha.
Plantas, bichos, águas cresceram como religião
sobre a vida - e eu nisso demorei
meu frágil instante. Porém
teu silêncio de fogo e leite repõe
a força maternal, e tudo circula entre teu sopro
e teu amor. As coisas nascem de ti
como as luas nascem dos campos fecundos,
os instantes começam da tua oferenda
como as guitarras tiram seu início da música nocturna.
Mais inocente que as árvores, mais vasta

que a pedra e a morte,
a carne cresce em seu espírito cego e abstracto,
tinge a aurora pobre,
insiste de violência a imobilidade aquática.
E os astros quebram-se em luz sobre
as casas, a cidade arrebata-se,
os bichos erguem seus olhos dementes,
arde a madeira - para que tudo cantepelo teu poder fechado.
Com minha face cheia de teu espanto e beleza,
eu sei quanto és o íntimo pudor
e a água inicial de outros sentidos.
Começa o tempo onde a mulher começa,

é sua carne que do minuto obscuro e mortos
e devolve à luz.
Na morte referve o vinho, e a promessa tinge as pálpebras
com uma imagem.
Espero o tempo com a face espantada junto ao teu peito
de sal e de silêncio, concebo para minha serenidade
uma ideia de pedra e de brancura.
És tu que me aceitas em teu sorriso, que ouves,
que te alimentas de desejos puros.
E une-se ao vento o espírito, rarefaz-se a auréola,
a sombra canta baixo.
Começa o tempo onde a boca se desfaz na lua,

onde a beleza que transportas como um peso árduos
e quebra em glória junto ao meu flanco
martirizado e vivo.
- Para consagração da noite erguerei um violino,
beijarei tuas mãos fecundas, e à madrugada
darei minha voz confundida com a tua.
Oh teoria de instintos, dom de inocência,

taça para beber junto à perturbada intimidade
em que me acolhes.
Começa o tempo na insuportável ternura

com que te adivinho, o tempo onde
a vária dor envolve o barro e a estrela, onde
o encanto liga a ave ao trevo. E em sua medida
ingénua e cara, o que pressente o coração
engasta seu contorno de lume ao longe.
Bom será o tempo, bom será o espírito,

boa será nossa carne presa e morosa.
- Começa o tempo onde se une a vida
à nossa vida breve.
Estás profundamente na pedra e a pedra em mim, ó urna

salina, imagem fechada em sua força e pungência.
E o que se perde de ti, como espírito de música estiolado
em torno das violas, a morte que não beijo,
a erva incendiada que se derrama na íntima noite-

o que se perde de ti, minha voz o renova
num estilo de prata viva.
Quando o fruto empolga um instante a eternidade

inteira, eu estou no fruto como sole desfeita pedra,
e tu és o silêncio, a cerrada
matriz de sumo e vivo gosto.
- E as aves morrem para nós, os luminosos cálices
das nuvens florescem, a resina tingea estrela,
o aroma distancia o barro vermelho da manhã.
E estás em mim como a flor na ideia
e o livro no espaço triste.
Se te apreendessem minhas mãos, forma do vento

na cevada pura, de ti viriam cheias
minhas mãos sem nada. Se uma vida dormisse
sem minha espuma,
que frescura indecisa ficaria no meu sorriso?-
No entanto és tu que te moverás na matéria
da minha boca, e serás uma árvore
dormindo e acordando onde existe o meu sangue.
Beijar teus olhos será morrer pela esperança.

Ver no aro de fogo de uma entrega
tua carne de vinho roçada pelo espírito de Deus
será criar-te para luz dos meus pulsos e instante
do meu perpétuo instante.
- Eu devo rasgar minha face para que a tua faces
e encha de um minuto sobrenatural,
devo murmurar cada coisa do mundo
até que sejas o incêndio da minha voz.
As águas que um dia nasceram onde marcaste o peso

jovem da carne aspiram longamentea nossa vida.
As sombras que rodeiam
o êxtase, os bichos que levam ao fim do instinto
seu bárbaro fulgor, o rosto divino
impresso no lodo, a casa morta, a montanha
inspirada, o mar, os centauros do crepúsculo
- aspiram longamente a nossa vida.
Por isso é que estamos morrendo na bocaum do outro. Por isso é que

nos desfazemos no arco do verão, no pensamento
da brisa, no sorriso, no peixe,no cubo, no linho, no mosto aberto-
no amor mais terrível do que a vida.
Beijo o degrau e o espaço. O meu desejo trazo perfume da tua noite.

Murmuro os teus cabelos e o teu ventre, ó mais nua
e branca das mulheres. Correm em mim o lacre
e a cânfora, descubro tuas mãos, ergue-se tua boca
ao círculo de meu ardente pensamento.
Onde está o mar? Aves bêbedas e puras que voam
sobre o teu sorriso imenso.
Em cada espasmo eu morrerei contigo.
E peço ao vento: traz do espaço a luz inocente

das urzes, um silêncio, uma palavra;
traz da montanha um pássaro de resina, uma lua
vermelha.
Oh amados cavalos com flor de giesta nos olhos novos,
casa de madeira do planalto,
rios imaginados,
espadas, danças, superstições, cânticos, coisas
maravilhosas da noite. Ó meu amor,
em cada espasmo eu morrerei contigo.
De meu recente coração a vida inteira sobe,

o povo renasce,
o tempo ganha a alma. Meu desejo devora
a flor do vinho, envolve tuas ancas com uma espuma
de crepúsculos e crateras.
Ó pensada corola de linho, mulher que a fome

encanta pela noite equilibrada, imponderável
-em cada espasmo eu morrerei contigo.
E à alegria diurna descerro as mãos. Perde-se

entre a nuvem e o arbusto o cheiro acre e puro
da tua entrega. Bichos inclinam-separa dentro do sono,
levantam-se rosas respirando
contra o ar. Tua voz canta
o horto e a água
- e eu caminho pelas ruas frias como lento desejo do teu corpo.
Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmoeu morrerei contigo.
H e r b e r t o H e l d e r


quarta-feira, agosto 01, 2007

REQUIEM

QUANDO TODOS OS SÉCULOS REGRESSAM,
ANOITECENDO, À SUA BELEZA,
SOBE AO ÂMBITO UNIVERSAL
A FUNDA UNIDADE TERRENA.

ENTÃO A NOSSA VIDA ALCANÇA
A ALTA RAZÃO DE SUA EXISTÊNCIA:
TODOS SOMOS REIS IGUAIS

NA TERRA, RAINHA COMPLETA.

VEMOS-LHE AS TÊMPORAS INFINDAS,
ESCUTAMOS-LHE A VOZ IMENSA,
SENTIMO-NOS ACUMULADOS
PELAS SUAS MÃOS VERDADEIRAS

SEU MAR TOTAL É NOSSO SANGUE,
A NOSSA CARNE É SUA PEDRA,
RESPIRAMOS O SEU AR UNO,
SEU FOGO ÚNICO INCENDEIA-NOS.

ELA ESTÁ COM TODOS NÓS,
TODOS NÓS ESTAMOS COM ELA;
ELA É BASTANTE PARA DAR-NOS
A TODOS A SUBSTÂNCIA ETERNA.

E TOCAMOS O ZÉNITE ÚLTIMO
COM A LUZ DE NOSSAS CABEÇAS
E DETEMO-NOS TODOS CERTOS
DE ESTAR NO QUE NUNCA SE DEIXA.
Juan Ramón Jimenez, Antologia Poética

beijo infinitamente

Beijo infinitamente
tudo o que a
vida me dá
e as asas
das coisas que
agora possa ver
depois de
incontáveis
nieblas vividas

O beijo infinito
de mim
para mim
em mim
até ao
planeta globo da existência

Imensamente VIVA!

*Nem todos podem ver a verdade, mas podem sê-la.
*Quem procura não encontra, mas quem não procura é encontrado.
*Que a nossa tarefa seja tão grande como a nossa vida é o que lhe dá uma aparência de infinito.
Franz Kafka in Antologias de páginas íntimas

...o choro e a saudade gritam ternuras.
Foi uma longa viagem.
Hoje, o abraço e o ponto final.
Mornas eram as nolites - Dina salústio

O CINEMA É CRUEL
COMO UM MILAGRE
SENTAMO-NOS NA SALA
ÀS ESCURAS, PEDINDO SÓ
AO ESPAÇO BRANCO
E VAZIO QUE SE
MANTENHA PURO
RILKE - FRANK O'HARA IN O Bosque Sagrado

Metropolitanos
Aqui estamos, atravessando
sem saber o nosso destino,
à espera que o próprio caminho
o torne evidente (mas não)
somos todos assim metropolitanos (urbanos).
saímos na estação errada,
lemos cabeçalhos, vemos o envelhecimento
nos rostos que connosco através
de túneis dantescos (cliché),
e pensamos (ou dizemos agora que pensámos)
que há um plano que nos ultrapassa (rodoviário),
um plano (subterrâneo)
de linhas que se cruzam com as linhas
da mão, interceptadas em cores
e com o guarda-roupa do nosso
tempo (capitalismo tardio),
atravessamos (atrasados), sob o sol
que imaginamos em cima (platónico),
interrompidos pelo parêntesis irónico
da consciência que talvez queira fazer
a diferença mas não faz nada (nada).

Avós
Há avós que pedem, enrodilhadas, no metro,
apertamos os sobretudos, criminosos felizes.
Pedro Mexia, Eliot e outras Observações

DEPOIS DO SILÊNCIO, A MÚSICA
É O QUE MELHOR EXPRIME O INEXPRIMÍVEL.
Aldoys Huxley

A música é o barulho que pensa.
Victor Hugo

O ritmo e a harmonia têm a sua sede
nos esconderijos da alma.
PLATÃO