quinta-feira, novembro 22, 2007

a*noite*abre*meus*olhos


NOS DIAS TRISTES NÃO SE FALA DE AVES

Nos dias tristes não se fala de aves
Liga-se aos amigos e eles não estão
E depois pede-se lume na rua
Como quem pede um coração
Novinho em folha.


Nos dias tristes é Inverno
E anda-se ao frio de cigarro na mão
A queimar o vento e diz-se
- bom dia!Às pessoas que passam
Depois de já terem passado
E de não termos reparado nisso.


Nos dias tristes fala-se sozinho
E há sempre uma ave que pousa
No cimo das coisas
Em vez de nos pousar no coração
E não fala connosco.


In A Cidade Líquida e outras Texturas,

Filipa Leal



Play for today

A qualquer hora, a meio do que dispõe
um sedimento, uma impressão
distanciava-se, cambaleante e aflito
inseparável de alguma coisa que não se via
mas talvez exista
nos desertos que se prolongam
nos nomes que nos pertencem demasiado e esquecemos
em certas deflagrações
que por muitos dias
nos afugentam de casa, do trabalho ou do sono

Quando depois voltava
prendia o barco no pequeno ancoradouro
ainda despenhado das varas de um relâmpago
quase sem palavras
apenas um ser vivo sobre a terra

In De Igual Para Igual


Se me puderes ouvir


O Poder ainda puro das tuas mãos
É mesmo agora o que mais me comove
Descobrem devagar um destino que passa
E não passa por aqui

À mesa do café trocamos palavras
Que trazem harmonias
Tantas vezes negadas:
Aquilo que nem ao vento sequer segredamos

Mas se hoje me puderes ouvir
Recomeça, medita numa longa viagem
Ou num amor
Talvez o mais belo.


Os girassóis

As paisagens alteram-se sem resolução
Narrativas imortais desaparecem
E os girassóis assim
Vulneráveis a desconhecidas ordens

Tu estás tão perto
mas sofro tanto
porque não vejo
como possa falar de ti
entre dois ou três séculos

In A noite Abre Meus Olhos,
José Tolentino Mendonça