segunda-feira, novembro 19, 2007

Notas para o diário












deus tem de ser substituído rapidamente por poemas, sílabas sibilantes, lâmpadas acesas, corpos palpáveis, vivos e limpos.

a dor de todas as ruas vazias.

sinto-me capaz de caminhar na língua aguçada deste silêncio. e na sua simplicidade, na sua

clareza, no seu abismo.

sinto-me capaz de acabar com esse vácuo, e de acabar comigo mesmo.
a dor de todas as ruas vazias.

mas gosto da noite e do riso de cinzas. gosto do deserto, e do acaso da vida. gosto dos

enganos, da sorte e dos encontros inesperados. pernoito quase sempre no lado sagrado do meu coração, ou onde o medo tem a precaridade doutro corpo.

a dor de todas as ruas vazias.
pois bem, mário - o paraíso sabe-se que chega a lisboa na fragata do alfeite. basta pôr uma


lua nervosa no cimo do mastro, e mandar alguém arrear o velame. é isto que é preciso dizer: daqui ninguém sai sem cadastro.

a dor de todas as ruas vazias.
os poemas adormeceram no desassossego da idade. fulguram na perturbação de um tempo


cada dia mais curto. e, por vezes, ouço-os no transe da noite. assolam-me as imagens, rasgam-me as metáforas insidiosas, porcas...e nada escrevo. o regresso à escrita terminou. a vida toda fodida - e a alma esburacada por uma agonia tamanho deste mar.

a dor de todas as ruas vazias.

AL BERTO, in O Último Coração do Sonho