segunda-feira, maio 21, 2007

Momento de Poesia

Se me ponho a trabalhar
e escrevo ou desenho
logo me sinto tão atrasado
no que devo à eternidade,
que começo a empurrar para diante o tempo
e empurro-o, empurro-o à bruta
como empurra um atrasado,
até que cansado me julgo satisfeito;
e o efeito da fadiga
é muito igual à ilusão da satisfação!
Em troca, se vou passear por aí
sou tão inteligente a ver tudo o que não é comigo,
Compreendo tão bem o que não me diz respeito,
dou conselhos tão bíblicos aos aflitos
de uma aflição que não é minha,
dou-me tão perfeitamente conta do que
se passa fora das minhas muralhas
como sou cego ao ler-me ao espelho,
que, sinceramente não sei qual
seja melhor,
se estar sòzinho em casa a dar à manivela do mundo,
se ir por aí a ser o rei invisível de tudo o que não é meu.
Almada Negreiros