P L E N I T U D E § § § Rio da Vida

quinta-feira, janeiro 31, 2008

P A R T O A M O R











E n s a i o

Ensaiar é pesar, poderar, escolher, afastar, pôr à prova, examinar, saborear, multiplicar.
Tudo isto numa colecção em que cada texto procura ser também uma aventura humana
e intelectual: pensar o nosso tempo, a nossa realidade e o nosso destino a partir da extrema
exigência que nos vem da responsabilidade de pensar.
Vergílio Ferreira in Arte Tempo

terça-feira, janeiro 29, 2008

Tão perto já das coisas. Ai tão perto
Tão demasiado perto que os teus braços
Me atravessam o corpo e o teu rosto
Por dentro do meu rosto recomeça
A mesma frase de sempre, a que dissemos
Sem nunca a termos dito e no entanto
Prolonga a minha voz na tua voz.
Tão perto já das coisas. Ai tão perto
Que sendo eu tu e eu não somos nós.
In Diálogos, de José Luís Tinoco & António Lobo Antunes

sexta-feira, janeiro 25, 2008

SosSegíntiMo

A transgressão: é esse o meu limite.


MORTE

A cabeça voltada
Para que lado.
Onde encontrar o Oriente
O seu significado.

26.
Do outro lado as mães,
Brilho
Na escuridão.

44.
O sonho:
Um poema
Em aberto.

35.
Impaciente,
Não acelera a vida
Mas a morte.

46.
Montanhas no horizonte:
A imensidão
Do caminho.

37.
A trouxa do viajante:
Roupa do corpo e
Da alma.

42.
Agarra a Lua
E atirá-la
Ao mar?

27.
Horizonte feliz:
Céu e mar
Confundidos.


O TEU DISCURSO

O que dirias
Perante a flor do cacto japonês?
Que é flor
E que o ser flor te perturba
E mais ainda
Só floresce uma vez.

Yvette Centeno in A Oriente

_________

Meus olhos são telas d’água
Não ferem a perfeição.

(…)
Branca é a palavra que guardou silêncio.


O poema não escrito
Escorreu na ogiva dos dedos.
Na alma de pranto oceânico
Os búzios ouviram um outro mar.
Enxuta é a areia dos olhos.


As papoulas são estrelas que caíram de sono.
Elas têm o segredo.


A suave manhã comoveu as pedras,
Brilham os caminhos dos homens.
Ninguém se perdeu.

Maria Ângela Alvim in Superfície/ Toda Poesia

quinta-feira, janeiro 24, 2008

B a r B u, W i n d, C e l a n, F l o r


EM CÍRCULO; OUVI

A conversa desfiada, oca,
Com sona caninos
Em algumas pausas-

Perseguem-te com desdém, e tu,
Com sentidos prévios na garganta,
Um trejeito na boca,
Atraessas a nado o rio desse destino.

O grito de uma flor
Anseia por uma existência.
******

NÃO TE ESCREVAS

Entre os mundos,

Ergue-te contra
A variedade de sentidos,

Confia no rasto das lágrimas
E aprende a viver.
******

A MORTE

A morte é uma flor que só abre uma vez.
Mas quando abre, nada se abre com ela.
Abre sempre que quer, e fora de estação.


E vem, grande mariposa, adornando caules ondulantes.
Deixa-me ser o caule forte da sua alegria.

In A Morte é uma flor/ Poemas do Espólio, Paul Celan

quarta-feira, janeiro 23, 2008

C a r t a


















Sim, meu amigo, é preciso trabalhar, trabalhar, trabalhar, incansavelmente, obsessivamente. Como o santo que jorneava pela vida em busca de Deus, até viver em deus, obstinadamente, infatigavelmente. Para nós, místicos desta vida moderna, sem deus, sem outro ideal, como o santo em deus - é trabalhar, trabalhar. trabalhar é o único meio, actualmente, de compor a vida como uma obra de arte e uma obra de arte como a vida.

Que está cheia de defeitos a vida? Embora: dentro de nós há beleza, quanta baste, se não para saciar toda a nossa sede, pelo menos para nos não deixar morrer estiolados pelo caminho da vida. Abraça-o o seu do coração

Espinho, 7 de Janeiro de 1908.

in Cartas de Manuel Laranjeira, Manuel L.

terça-feira, janeiro 22, 2008


A Máquina Fotográfica

É na câmara escura dos teus olhos
que se revela a água.

água imagem
água nítida e fixa
água paisagem
boca nariz cabelos e cintura
terra sem nome
rosto sem figura
água móvel nos rios
parada nos retratos
água escorrida e pura
água viagem trânsito hiato.

Chego de longe. Venho em férias. Estou cansado.
Já suei o suor de oito séculos de mar
o tempo de onze meses de ordenado;
por isso, meu amor, viajo a nado
não por ser português mal empregado
mas por sofrer dos pés
e estar desidratado.

Chego. Mudo de fato. Calço a idade
que melhor quadra à minha solidão
e saio a procurar-te na cidade
contrastada
violenta negativa
tu única sombra murmurada
única rua mal iluminada
única imagem desfocada e viva.

Moras aonde eu sei. É na distância
onde chego de táxi.
Sou turista
com trinta e seis hipóteses no rolo;
venho ao teu miradoiro ver a vista
trago a minha tristeza a tiracolo.

Enquadro-te regulo-te disparo-te
revelo-te retoco-te repito-te
compro um frasco de tédio e um aparo
nas tuas costas ponho uma estampilha
e escrevo aos meus amigos que estão longe
charmant pays
the sun is shining
love.

Emendo-te rasuro-te preencho-te
assino-te destino-te comando-te
és o lugar concreto onde procuro
a noite de passagem o abrigo seguro
a hora de acordar que se diz ao porteiro
o tempo que não segue o tempo em que não duro
senão um dia inteiro.

Invento-te desbravo-te desvendo-te
surges letra por letra, película sonora,
do sendo à vogal do tema à consoante
sem presença no espaço sem diferença na hora.
És a rota da Índia o sarcasmo do vento
a cãibra do gajeiro o erro do sextante
o acaso a maré o mapa a descoberta
dum novo continente itinerante.

José Carlos Ary dos Santos
Obra Poética
Lisboa, Edições Avante, 1994

segunda-feira, janeiro 21, 2008

"Um dia,
lá para o fim do futuro,
alguém escreverá sobre mim um poema,
e talvez só então eu comece a reinar no meu Reino."
Alberto Caeiro


Se Eu Morrer Novo

Se eu morrer novo,
Sem poder publicar livro nenhum,
Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa,
Peço que, se se quiserem ralar por minha causa,
Que não se ralem.
Se assim aconteceu, assim está certo.

Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos,
Eles lá terão a sua beleza, se forem belos.
Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir,
Porque as raízes podem estar debaixo da terra
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista.
Tem que ser assim por força. Nada o pode impedir.

Se eu morrer muito novo, oiçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi cousa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.

Não desejei senão estar ao sol ou à chuva
—Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo (E nunca a outra cousa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.

Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela única grande razão
—Porque não tinha que ser.

Consolei-me voltando ao sol e à chuva,
E sentando-me outra vez à porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que o não são.
Sentir é estar distraído.

Alberto Caeiro - Poemas Inconjuntos

sexta-feira, janeiro 18, 2008

Um fado

Um fado: palavras minhas
Palavras que disseste e já não dizes,
palavras como um sol que me queimava,
olhos loucos de um vento que soprava
em olhos que eram meus, e mais felizes.
Palavras que disseste e que diziam
segredos que eram lentas madrugadas,
promessas imperfeitas, murmuradas
enquanto os nossos beijos permitiam.
Palavras que dizias, sem sentido,
sem as quereres, mas só porque eram elas
que traziam a calma das estrelas
à noite que assomava ao meu ouvido...
Palavras que não dizes, nem são tuas,
que morreram, que em ti já não existem
- que são minhas, só minhas, pois persistem
na memória que arrasto pelas ruas.
Pedro Tamen

terça-feira, janeiro 15, 2008

a vida é aqui ? . . .

«{...} Quando ficou sozinho, encostou-se com satisfação à parede e abandonou-se a doces meditações sobre a pequenez do amor, doces meditações atrás das quais rebrilhavam dois grandes olhos azuis suplicantes. {...}»
in A vida não é aqui, Milan Kundera

quinta-feira, janeiro 10, 2008

D I A L O G / L O G I N


-Bye, bye, see you again after the rain!
- Auf Wiedersehen, unbekannter Freund!
-Arrivederci, compagno!
-Adios, hasta la vastedad!
-Au revoir, mes amis de ce soir!
- Adeus! Talvez nos voltemos a ver pela primeira vez...
eLIOT rAIN

NorDestandoLindezaInfindíssYma








Y E M A N JÁ
SEU CANTO MOLHADO
ME DÁ O CALOR
DE NASCER SEMPRE
AMOR

terça-feira, janeiro 08, 2008

n o r d e s t e SER


Receber este Nordeste

é caminhá-lo.









Viver este Nordeste
é sê-lo.

Daquela totalidade minimal
que só a existência
sabe oferecer

NORDEST S E R

nordesteser ...


Existo sem
que o saiba
e morrerei sem
que o queira

autor do flickr
(blogue de partilha
de fotografia)