P L E N I T U D E § § § Rio da Vida

quinta-feira, maio 31, 2007

ALENTEJO

PAPOILAS VERMELHAS -
AGORA NINGUÉM PODE TOCAR
NA PLANÍCIE
O Poeta Nu, Jorge de Sousa Braga

A perfeita ocupação do espaço

IV.
...iluminar o mundo com a boca e ter a palavra no olhar.

XXXIV:
Por cima da noite o olhar branco da vida.
Filipe tereno

Meus Julhos

1. Sou julho,
estou explicado só pelo sol

Meu erro
é procurar um território
apto a nascer

A única geografia a
que me aceita é a poesia

Como a chuva
que repousa entre nuvem e terra
me escrevo
na ausência de todas asa línguas

2. Me esqueço-me:
só me falto eu
para ficar todo só

3. Antes de nascer
já eu tinha envelhecido tudo

Por isso,
não me espanta

o casal de pedras
nem a árvore que engravidou

Minha doença,

felizmente,

é muito miracurável
Mia Couto in Raíz de Orvalho e outros poemas

D e s P o n d E n c Y

Deixá-la partir, a ave, a quem roubaram
Ninho e filhos e tudo, sem piedade...
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram...

Deixá-la ir, a vela, que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade,
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos de Sul se levantaram...

Deixá-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fé e paz e confiança,
À morte queda, à morte silenciosa...

Deixá-la ir, a nota desprendida
Dum canto extremo... e a última esperança...
E a vida... e o amor... deixá-la ir, a vida!

Antero de Quental in Poesia Completa

Eu estive aqui

Eu estive aqui.
Neste seco, fero e estéril monte,
nesta lição que não se aprende
nem se deseja.
Eu estive aqui.
Dois passos atrás e um à frente.
ao contrárip de Aquiles
e a tartatuga, mantendo apenas
o destrutivo paradoxo.
Eu estive aqui.
Nesta feira onde os poemas
servem de sacos de castanhas,
onde os poemas se qieimam
por causa do frio,
se comem por causa
da fome.
Eu estive aqui.
No século vinte.


UM SEGUNDO

A mais pequena sabedoria,

uma paragem em que o tempo

continua,

e o mundo hipotético

e a moralidade

são um debate

que ninguém pressente

no segundo em que o cubo

de açucar

mergulha no café.
Pedro Mexia in Duplo Império

BOA ESPERANÇA

Há que passar o Cabo da Boa Esperança das Limitações!...
Leitor anónimo da Biblioteca de Oeiras, de seu nome Pedro (tão português, épico, heróico!...)

terça-feira, maio 29, 2007

Caeiro existencialista - descobridor do universo

A única coisa boa que há em qualquer pessoa é o que ela não sabe.

-o Sr. caeiro é um materialista?
- Não, não sou um artistoa com doutrina nem coisa nenhuma. Sou um homem que um dia, ao abrir a janela, descobriu esta coisa importantíssima: que a natureza existe. Verifiquei que as árvores, os rios as pedras são coisas que verdadeiramente existem. Nunca ninguém tinha pensado nisto.
Não pretendo ser mais que o maior poeta do mundo. Fiz a maior descoberta que nenhum antes fez e ao pé da qual todas as outras descobertas são entretimentos de crianças / estúpidas /. Dei pelo universo. Os gregos, com toda a sua nitidez visual, não fizeram tanto.

Alberto Caeiro por fernando Pessoa, aqui Ricardo Reis em Poemas Completos de A. Caeiro

As árvores ensinaram-me...









As árvores ensinaram-me muitas coisas: umas vezes sobre o tempo, outras vezes sobre os animais, e outras sobre o grande espírito.
Chefe Walking Buffalo in «O nome da árvore»/O Plátano


segunda-feira, maio 28, 2007

a história

(...) E cantámos, nem sei se foi a mesma canção. Porque os meus ouvidos apenas me ouviam e era sem dúvida a minha canção.
Existem apenas contadores de histórias, Historiadores Possíveis, Factos Soltos e Legendas Pessoais.
As Histórias, É que não Acabam no Tempo de quem as Conta...

Maria João Worm in A História

sexta-feira, maio 25, 2007

OS LIVROS (II)

(continuação)

Percebi que quanto mais lia - e eu sou sobretudo um leitor - mais se transformava o mundo à minha volta, e o modo como eu o via, o tocava, o cheirava, o sentia e entendia. Mas não foi só o mundo que foi mudando ao sabor de cada livro. Também eu me ia conhecendo melhor. com os livros, e com alguns leitores, aprendi a desenvolver as minhas capacidades e a minimizar os meus defeitos. Essas vozes que subiam de tom ao virar de cada página traziam pensamentos, sentimentos, conhecimentos, actos, uns a todos comuns, outros que eu idealizava, outros ainda, que se instalavam no íntimo e que por vezes faziam revolver as entranhas, porque nunca é passiva a aprendizagem quando nos envolvemos. (...) Começaram por me dizer que os livros continham histórias. E é o que normalmente começam por nos dizer. Estava eu então longe de imaginar que nessas histórias havia irmãos, amigos, amantes, mestres, toda uma plêiade que ainda mal conheço. E o segredo de os conhecer. É esta a minha verdade. Todo o conhecimento é progressivo. Mantenho tudo o que disse.

quinta-feira, maio 24, 2007

(…) dói-me a distante lembrança
Do teu vestido
Caindo aos nossos pés (…)

Em Saudade

Despedida

Aves marinhas soltaram-se dos meus dedos
Quando anunciaste a despedida
E eu que habitara lugares secretos
E me embriagara com os teus gestos
Recolhi as palavras vagabundas
Como a tempestade que engole os barcos
Porque ama os pescadores

Impossível separarmo-nos
Agora que gravaste o teu sabor
Sobre o súbito
E infinito parto do tempo

Por isso te toco
No grão e na erva
E na poeira da luz clara
A minha mão
Reconhece a tua face de sal

E quando o mundo suspira
Exausto
E desfila entre mercados e ruas
Eu escuto sempre a voz que é tua
E que dos lábios
Se desprende e se recolhe

Ali onde se embriagam
Os corpos dos amantes
O teu ventre aceitou a gota inicial
E um novo habitante
Enroscou-se no segredo da tua carne

Nesse lugar
Encostámos os nossos lábios
À funda circulação do sangue
Porque me amavas
Eu acreditava ser todos os homens
Comandar o sentido das coisas
Afogar poentes
Despertar séculos à frente
E desenterrar o céu
Para com ele cobrir
Os teus seios de neve
(Maio 77)

Mia Couto in Raiz de Orvalho e Outros Poemas



Poemas Inconjuntos

Aceita o universo
Como t’o deram os deuses.
Se os deuses te quisessem dar outro
Ter-to-iam dado.

Se há outras matérias e outros mundos
Haja.

[1-10-1917]
Alberto Caeiro in Poemas Completos de Alberto Caeiro



Os Livros

(…) Foi sobretudo a partir destes objectos cheios de folhas e letras, imagens, símbolos e outras linguagens escritas e desenhadas, mais finos ou mais grossos, maiores ou mais pequenos, mais bonitos ou mais feios, que tomei a consciência de que a realidade é muito mais do que aparenta ser, e com ela eu próprio e os meus semelhantes. Com os livros percebi que a realidade, sem os livros, é ignorância. (…)

Revista de ver e ler poesia nº 1 – Encontro Verso

terça-feira, maio 22, 2007

A POESIA INUNDA

A noite abre meus olhos
O amor é uma noite a que se chega só

A destruição de Cartago
Eu dizia às montanhas: «caí sobre mim»
e às colinas: «cobri-me».

Do canto de Débora (Jz 5, 31)
Os que te amam sejam como o sol
no cimo do seu esplendor

José Tolentino Mendonça in

A Estrada Branca

Prometeu Prometeu
Entre cacto e gato há um vaso de versos,
No branco das palavras nasce a lua.

Pedro Tamen in Poesia 71
(selecção de poemas por Fiama H. P. Brandão

e Egito Gonçalves)

segunda-feira, maio 21, 2007

Momento de Poesia

Se me ponho a trabalhar
e escrevo ou desenho
logo me sinto tão atrasado
no que devo à eternidade,
que começo a empurrar para diante o tempo
e empurro-o, empurro-o à bruta
como empurra um atrasado,
até que cansado me julgo satisfeito;
e o efeito da fadiga
é muito igual à ilusão da satisfação!
Em troca, se vou passear por aí
sou tão inteligente a ver tudo o que não é comigo,
Compreendo tão bem o que não me diz respeito,
dou conselhos tão bíblicos aos aflitos
de uma aflição que não é minha,
dou-me tão perfeitamente conta do que
se passa fora das minhas muralhas
como sou cego ao ler-me ao espelho,
que, sinceramente não sei qual
seja melhor,
se estar sòzinho em casa a dar à manivela do mundo,
se ir por aí a ser o rei invisível de tudo o que não é meu.
Almada Negreiros

quinta-feira, maio 17, 2007

maravilha__pianíssimas


« à procura, procura do vento. Porque a minha vontade tem o tamanho de uma lei da terra. Porque a minha força determina a passagem do tempo. Eu quero. Eu sou capaz de lançar um grito para dentro de mim, que arranca árvores pelas raízes, que explode veias em todos os corpos, que trespassa o mundo. Eu sou capaz de correr através desse grito, à sua velocidade, contra tudo o que se lança para deter-me, contra tudo o que se levanta no meu caminho, contra mim próprio. Eu quero. Eu sou capaz de expulsar o sol da minha pele, de vencê-lo mais uma vez e sempre. Porque a minha vontade me regenero faz-me nascer, renascer. Porque a minha força é imortal. »

José L. Peixoto in Cemitérios de Pianos

quarta-feira, maio 16, 2007

anjo á minha mesa . . .

Life is sweet, Jasper ...
There is day and night, Jasper
Both sweet things
There is the sun, the moon,
[The stars, brother ...]
All sweet things
There is Likewise
A wind on the heat
who would wish to die ? ...


excerto de Janet Frame do filme indicado no título de Jane Champion

O QUE PENSAM AS MULHERES

O Homem belo só o é quando o contemplam,
mas o Homem sábio é belo, mesmo quando
ninguém o vê
SAFO in Compilação de pensamentos femininos por Orlando Neves "O que Pensam as Mulheres"
[AND NOW FOR THOSE WHO BORN "BEAUTIFULL"
Diz que é uma espécie de Dom!...
mas quantos seres se amaldiçoam e a vida
e a dos outros por se habituarem a conseguir do mundo tudo,
por esse "passaporte exterior" e viver assim...
a vida do nosso Mundo!]
ENTRE DOIS MALES
ESCOLHO AQUELE QUE AINDA
NÃO EXPERIMENTEI
Por MAE WEST na mesma Compilação

sexta-feira, maio 11, 2007

CAIXA DE COSTURA/ COLECÇÕES

«Nunca compreendi
a caixa de costura
Testemunha muda
de tardes e gerações,
poder feminino
sobre o útil. no fundo
dos carrinhos e dos dedais
devia haver
esperança.»

«Colecções de selos e moedas,
borboletas, cachimbos,
espadas e pistolas.

Ofícios de pormenor:
ervanário, alquimista
e ourives.

A mais delicada colecção:
os seres amados.»

de Pedro Mexia in DUPLO IMPÉRIO

PALAVRA QUE DESNUDO

«Entre a asa e o voo
nos trocámos
como a doçura e o fruto
nos unimos
num mesmo corpo de cinza
nos consumimos
e por isso
quanto te recordo
percorro a imperceptível
fronteira do meu corpo
e sangro
nos teus flancos doloridos
Tu és o encoberto lado
da palavra que desnudo

Abril 1981, Mia Couto in Raiz de Orvalho e Outros Poemas

OS PÉS

«No fim da viagem
dois pés dormindo
lado a lado»

FLÔR DO MARMELEIRO

«Flor do marmeleiro:
ela não suporta nem o peso
de uma palavra»

J.de S. Braga in Os Pés Luminosos

quinta-feira, maio 10, 2007

MIYO-HO-RENGUE-KYO

Águas do meu ser

branco leito que
declina estendido
nu horizonte das
madrugadas dos
lençois do
amor que te
sinto ...

Águas do meu ser
que se demolham nu barco
do teu colo
colhendo
carícias ...

A Terra

Se eu pudesse escolher
entre ser um planeta
uma estrela
ou um cometa
eu preferia ser o que sou
um pequeno planeta
com a sua lua
que de vez em quando é visitado
por um cometa

Jorge S. Braga in Pó de Estrelas

A ESPERANÇA

«A Esperança é a maior arma do mundo!»
em confissão "budista"

quarta-feira, maio 09, 2007

CASAM-SE ALMAS "LEGAIS" = FADABOA+OMAR (AMIGOS MEUS)

«A arte é a confissão
de que a vida não basta...»

Fernando Pessoa


«Te quiero

Tus manos son carícia
mis acordes cotidianos
te quiero porque tus manos
trabajan por la justicia

(...)

y por tu rostro sincero
y tu paso vagabundo
y tu llanto por el mundo
porque sos pueblo te quiero

(...)

te quiero en mí paraíso
es decir que en mi país
la gente vive feliz
aunque no tenga permiso

si te quiero es porque sos
mi amor mi cómplice y todo
y en la calle codo a codo
somos mucho más que dos»

Mário Benedetti

O sonho é...

«O sonho é
o muro de Berlim
transformado em bola de Berlim.

O sonho é
ter os olhos abertos
e continuar a sonhar.

O sonho é
um abraço grande
como a ternura dos meninos.

O sonho é
a linha da vida
perfeita como a do horizonte.

O sonho é
aquilo que nos falta
para sermos felizes.»

in O Sonho, de José J. Letria

O sonho é...

«O sonho é
viver numa aldeia
e ser de todo o mundo.»

«O sonho é
um barco azul
a crescer no horizonte.»

in O Sonho é..., de J.Jorge Letria

A CASA DA POESIA

« A poesia gosta de acordar cedo
para ouvir os pássaros a cantar
e os rios a correr
e os sonhos a acordar
dentro da cabeça
de quem não os quer deixar morrer.

A poesia junta os sons
com a delicadeza
das bordadeiras e dos ourives
quando querem
que aconteça beleza.»

in A Casa da Poesia, de José Jorge Letria

terça-feira, maio 08, 2007

«Somos limitados por tudo o que não sentimos.»

Nathalie C. Barney

« GERÊS
Quando me levantei
já as minhas sandálias andavam
a passear lá fora na relva


Esta noite
até os atacadores dos sapatos
floriram»

« CORRENTE: Há quem diga que a noite é um rio - subterrâneo - que nasce e desagua em pleno dia. Ou será o dia um rio que nasce e desagua em plena noite? Ou talvez a noite e o dia sejam o mesmo rio que não nasce nem desagua. Corre apenas. Através de nós.»

In Pés Luminosos, de Jorge de Sousa Braga

A inconstância dos deuses nos compele
E a força ignota do Destino a tudo.

Nem relógio parado, nem a falta
Da água em clepsidra, ou ampulheta cheia,
Tiram o tempo ao tempo.

A Natureza é só uma superfície.
Na sua superfície ela é profunda
E tudo contém muito
Se os olhos bem olharem.

Aprende pois, tu, das cristãs angústias,
Ó traidor à multíplice presença
Dos deuses, a não teres
Véus nos olhos nem na alma.

Ricardo Reis in Poesia

Exercício espiritual

«(...)É preciso dizer rosa em vez de dizer ideia
é preciso dizer azul em vez de dizer pantera
é preciso dizer febre em vez de dizer inocência
é preciso dizer o mundo em vez de dizer um homem (...)»

in Exercício Espiritual - Ir Dizendo, de Mário Cesariny

sábado, maio 05, 2007

Ao Relento

(E para me libertar definitivamente da ilibertação prendouna!!)



«(...) Para o homem, momentos há - e é doloroso reconhecê-lo - em que até o universo é uma prisão.»



Jorge de S. Braga in Os Pés Luminosos

DE NOVO O SILÊNCIO

"O silêncio é como se fosse água.
Daquela água pura
da montanha que se bebe
directamente pelo coração."
Jorge de Sousa Braga in Os Pés Luminosos

sexta-feira, maio 04, 2007

Assim é ... e Assim seja

Sempre que amo
Tenho o mundo...

quinta-feira, maio 03, 2007

b e i j o s

existem
beijos
que
são
puro
desrespeito
ferem
a asa
e
liberdade
da
vida...
e o
olhar
e
a distância
-
espaço
para
o
silêncio
de
se
sentir
?

S E R

quarta-feira, maio 02, 2007

«Uma seta armada num arco esticado: ele lembra-se do contorno
da coxa dela. Adivinha o movimento dos seus quadris em direcção a ele.
Contém-se. salta para fora do saco-cama. enche os pulmões de ar glacial.
Um nevoeiro pálido, de uma transparência leitiosa, vai-se arregaçando,
tal uma camisa de noite fina sobre o flanco da montanha.»

in O mesmo mar de Amos Oz